sexta-feira, 10 de junho de 2011

Carménère amada que distrai a razão, eleva a alma e sufoca o coração. Seu gosto que não sai da minha boca, sua existência que inunda meus sonhos com tuas esperanças. Ai, que vontade de me afogar nesse azul intenso da memória! E me esquecer do calor que me sustenta no frio, deixando me levar no barulho das ondas, da espuma a secar na borda da taça.

domingo, 29 de maio de 2011

Quem matou Púchkin?

Foi Georges d'Anthès quem o matou, depois de desonrar sua mulher à vista de todos?
Ou foi a própria Goncharova, durante as repetidas noites de cópula com esse oficialzinho francês?
Terá sido o Governador traído de Gógol, em revolta pela traição de sua própria mulher, aquela velha asquerosa e ambiciosa, instigando nele o ódio a todos os cornos da Rússia do século 19?
Também pode ter sido Piotr Stiepánovitch, aquele niilista maníaco-depressivo saído da cloaca de Dostoiévski.

Não, eu respondo. Aquilo que tirou a vida do poeta foi a existência monótona em São Petersburgo, foi o frio que, em pleno fevereiro, o impedia de pular algum carnaval naquele monte de gelo. Foi a vodka barata, muito diferente da Stolichnaya exportada pra outros cantos; foi aquele monte de bunda branca escondida nas cinco camadas de vestido das damas russas.

Enfim, não foi uma puta desalmada quem privou da existência o nobre escritor. Tampouco uma bicha enrustida que seduzia menininhas para auto-afirmar a sua virilidade. Quem matou Púchkin não foi o corno gogoliano nem o maluco do Pietrucha. Púchkin morreu foi de tédio.

Esta foi uma singela homenagem ao frio que faz no Rio. Quisera eu ter uma pistola - ou uma Stolichnaya.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Manifesto por um DCE Apartidário

Aos alunos, ex-alunos, professores e funcionários da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.


Este Manifesto tem por objetivo legítimo trazer à Luz uma crítica ao uso político de uma Instituição Estudantil que, por definição, deve ser utilizada exclusivamente para o atendimento das necessidades inerentes às atividades acadêmicas.


Fica-se subentendido que fica excluído do aparato desta Instituição o uso de sua imagem para promover quaisquer personalidades políticas ou partidos através de suas atividades dentro da Instituição.


É dever do Diretório Central dos Estudantes estabelecer o debate democrático que cerca a pluralidade de interesses e de preferências que regem as escolhas individuais de cada estudante da Universidade.


A atitude de se criar um Manifesto a favor de determinado candidato político possui caráter incondizente com as atribuições legais do Diretório. Sua publicação apócrifa somente não faz por torná-lo ilegítimo por ter sido divulgado por este meio de comunicação através de um de seus membros.


O Diretório Central dos Estudantes deve ter como princípio incentivar as atitudes individuais e coletivas dos estudantes, não impondo aos movimentos e eventos realizados por estes a participação de candidatos de determinado partido político para divulgação de sua imagem.


O Diretório Central dos Estudantes da Puc-Rio não é palanque político. É inadmissível que o DCE se utilize de suas faculdades para promover partidos e candidatos de sua preferência. Torna-se mais que necessário que o Diretório Central dos Estudantes se abstenha da transferência de seu posicionamento político-partidário para as atividades acadêmicas, que devem ser fomentadas no princípio da pluralidade de interesses e ideias.


Luz para nossos entendimentos, pela Democracia.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Há festas e festas

A festa, para Jean Duvignaud, antes de representar apenas gratuidade e diversão, possui um teor revelador da vida social. Ela é dotada de um caráter subversivo, gerando não só alegria, mas ainda rupturas e transformações profundas. São as chamadas "festas de desregramento", como as que ocorreram logo em seguida à Abolição do regime escravista.

Passadas pouco mais de duas horas que a Lei Áurea havia sido assinada pela Princesa Isabel, cerca de duas mil pessoas esperavam por ela na pequena estação de trens em Petrópolis, entre elas ex-escravos e quilombolas. A rapidez da comunicação via telégrafo elétrico, recém-chegado ao Império, levava as boas novas a quase todo o território nacional por onde passavam os fios do telégrafo e limitava a reação anti-abolicionista.

Na capital do Império, no Rio de Janeiro, a festa começou imediatamente ao anúncio da Lei. Era um domingo e o samba estendeu-se por oito dias, até o domingo seguinte. Não houve tempo nem moral para reação.

Tudo parou. Repartições públicas, correios, portos, trens de cargas, escolas, o puteiro da Zezé. A Câmara dos Deputados, mais sensível ao voto e à pressão popular, entrou em recesso por cinco dias. O Senado vitalício, com a opinião dividida, fingiu ignorar a festa popular e oficialmente não suspendeu suas atividades. Não é preciso dizer que o plenário ficou vazio.

As marchas percorriam as ruas das grandes cidades, passando em frente às casas dos ministros e da gente importante, para mostrar-lhes a irreversibilidade do tempo, como que para lhes dizer: "Preste atenção em nosso magote! Não se esqueçam, hein, agora somos livres!"

Todo ministro foi visitado e, mesmo que não simpatizasse com o que acabara de suceder, tinha que aderir ao movimento, correspondendo aos vivas com o mesmo entusiasmo com o qual os recebera. Em Minas, por conta do frio, o vinho e o conhaque foram por conta do Padre Figueiredo Caramuru.

Em Salvador, obviamente, a festa concorria com a da capital do Império. Houve muito discurso, passeatas de estudantes e muita música. No dia 18, sexta-feira de Oxalá, uma multidão de branco saiu em romaria até a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim para agradecer a conquista.

E "quando essa missa terminou e, por toda parte, quando a grande festa conseguiu terminar, dias depois, a escravidão simplesmente não existia mais."




quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Jesus

Hoje encontrei Jesus.

Náo aquela lendária figura revolucionária cujos relatos infelizmente estejam restritos aos dizeres da bíblia. Nem tampouco o menino modelo que se aventura na fama de Madonna. Trata-se de um niño pedinte de Montevideo que, no cenário da América Latina, só se distingue dos nossos e do homem nazareno por seus olhos azuis.

Maiana pediu minha atençáo para o menino que se encontrava atrás de minhas costas, eu do lado de dentro, ele do lado de fora. A hierarquia social de forma alguma permitiria que a criatura se sentasse à mesa conosco. Entáo, como um salvador dos injustiçados, eu peço ao garçon uma linguiça para o pedinte enquanto decido entre as batatas noisette e o riso a la piamontese como acompanhamento da minha suculenta picanha.

Jesus continua do lado de fora, brincando com uma bola de malabaris depois de já ter se vingado da fome, sendo ignorado pelas pessoas que entram e saem, até que um outro casal compadecido por sua causa lhe dá atençáo. Neste instante tenho o orgulho ferido por náo ter sido o último santo protetor do planeta.

Sentimo-nos culpados diante do reflexo da luz sobre o vinho de uvas cabernet. O cálice tem gosto de sangue dos prejudicados pelo sistema que, ora incentivamos, ora condenamos como hipócritas que somente encontram dignidade nessa raça a qual pertencemos.

Como última prova de minha generosidade busco por Jesus para pagar-lhe algo mais por meus pecados. A essa altura já se foi para casa dormir com sua máe, se alguma Maria existir.

Às vezes acreditamos que o julgamento que fazemos a nosso respeito é demasiado cruel. Náo nos enganemos, nada é pior do que fazemos todos os dias com os nossos pequenos profetas.

"A indiferença destruirá a espécie", disse Jesus.





sábado, 9 de janeiro de 2010

Tudo em Ordem

Alan, hoje eu não quero escrever nada, talvez por não ter do que reclamar das coisas que andam a acontecer aí nesse seu mundinho.

Esse negócio de ficar mexendo no caldeirão, cozinhando pecadores no enxofre e espetando o rabo deles com o meu tridente é muito enfadonho. Aproveitei o bom tempo que fazia no Rio para ver como andavam as coisas em meu reino.

Logo de cara vi que tava tudo em ordem. O Eduardinho, um dos meus enteados mais dedicados, está metendo bronca nas favelas cariocas. Imagina só, o menino enganou direitinho os moradores de lá, conseguiu arrancar deles os votos que precisava e agora mete o pé na bunda deles! Ele é fantástico!

Há pouco tempo eu pedi a ele que livrasse as praias desse bando de trabalhadores pobres. Mas não conseguia pensar em um nome adequado para tamanha perversidade, até que o sacana me aparece com a ideia: Choque de Ordem. Perfeito. Nem das profundezas de minha essência maligna poderia ter batizado esse mecanismo de repressão com tanta criatividade. Mecanismo, aliás, que lembra aqueles doces anos de ditadura militar.

Ai como tenho saudades daqueles tempos de tortura, intolerância, censura. Se bem que quase nada disso se perdeu com o tempo. Tô sabendo que os milicas estão putos com o barbudo do Lula porque ele decidiu mexer em arquivos desse passado áureo em nome de uns tais direitos humanos. Fala sério! Humanos vivem para sofrer, especialmente se são brasileiros. É claro que para alguns deles eu dou uma forcinha, apago o nome sujo deles na memória do eleitor, coloco um dinheirinho na cueca deles para subornar juiz e por aí vai.

E por falar em direitos humanos, você não sabe da maior. Esse pessoal da Igreja está preocupadíssimo com a questão do aborto e do casamento gay. Vê se pode! Com tanta miséria e guerra para se preocuparem, eles ficam fazendo biquinho só por causa da própria natureza humana que eles ignoram magistralmente. Melhor pra Mim, que sigo em caminho livre a semear maldade em fatos mais relevantes.

Fatos que virão à tona em breve e que, assim como os que acabo de vos dizer, deverão ser mantidos em sigilo.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Free Generation

Esta expressão, estampada na camiseta de um garoto de uns vinte e poucos anos, levou-me a refletir sobre que tipo de liberdade ainda nos é permitida.

O rapaz da camiseta provavelmente descansava de seu emprego, talvez em uma obra qualquer, a julgar pela poeira que o encobria e pela tinta que manchava de branco ambos os seus braços. O tempo ocioso deve ser o mínimo suficiente para recuperar as forças e voltar à labuta de dezesseis horas diárias. Então, volta para casa a encerrar o ciclo de horas de um dia, sem poder compreender o significado estrito das palavras inglesas que carrega em seu peito.

Distinto apenas pelo seu conhecimento da língua estrangeira e por suas expectativas de futuro, os novos graduandos do ensino superior tornam-se cada vez mais escravos do dinheiro e do tempo imposto pela economia de uma nova ordem, produtivista e cínica.

Geração livre que depende do vício dos sintéticos para fugir da realidade, o soma de nosso Admirável Mundo Novo. É a liberdade para fugir, não para enfrentar.

Geração esta que vive presa às convenções morais do fanatismo religioso, pregadas nas assembleias e não vividas na prática. Juventude consumidora de padrões estéticos vendidos aos montes pelas novelas da Fábrica de Sonhos. Geração que se diz revolucionária, mas que vive limitada às ideologias românticas de experiências históricas fracassadas.

Somos parte de uma geração livre para repetir. Quem sabe um dia livre para pensar.

"Se a liberdade significa alguma coisa, será, sobretudo, o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir."

G. ORWELL

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Mais do mesmo (para os mais sensíveis)

Esta é uma forma de transmitir para meus amigos de maneira menos "agressiva" a minha opinião acerca de alguns transtornos que a cidade do Rio de Janeiro causa a seus cidadãos no seu cotidiano.

Assim como faço todos os dias, saí da Faculdade para pegar um ônibus até a Fundação Getulio Vargas. As falhas do sistema de transporte público da cidade não são novidade para ninguém, mas, ao passo que você depende exclusivamente do transporte coletivo, as deficiências tornam-se ainda mais irritantes, principalmente em um dia típico de verão desta cidade tropical.

O trajeto Gávea-Botafogo é só um exemplo das centenas de ruas congestionadas espalhadas pela metrópole. O fluxo intenso de automóveis inunda as ruas estreitas, contribuindo com a degradação implacável da camada de ozônio. Uma solução já esboçada por alguém sugeria que pessoas do mesmo ofício revezassem como motoristas de seus colegas de labuta, diminuindo, portanto, a quantidade de carros nas ruas. Mas a ideia não teve muida adesão pois, para o homem moderno, cada vez mais individualista, abrir mão de seu conforto e solidão seria um infortúnio desnecessário. À medida que subimos nos estratos sócio-econômicos nos deparamos com uma situação ainda mais desagradável, onde pai e mãe de uma mesma família saem de casa em seus respectivos carros.

Enquanto isso, a população mais pobre continua refém das decisões da Máfia do transporte coletivo, em conivência com o poder público. A escassez de ônibus obriga os passageiros a apertarem-se dentro do coletivo. Há pessoas que ficam prestes a caírem pelas portas. Os motoristas, mal instruídos pelas Companhias, arrancam com os veículos colocando em risco a integridade física dos cidadãos, que pagam um preço abusivo sem poder desfrutar de um mínimo conforto - o direito a um assento! - para se locomoverem de sua casa até o local de trabalho. Nestas circunstâncias, pensar em instalar ar-condicionado em todos os coletivos seria uma forma de atenuar o mal-estar causado pelo calor que castiga a cidade durante quase todo o ano e que lhe confere o doce apelido de inferno tropical.

Além deste transtorno para a sociedade, que é o deficiente sistema de transporte público, o subemprego é outra questão muito importante a ser discutida. Consequência da modernização do campo e da expectativa de auferir maior renda, milhares de cidadãos migram todo ano de regiões mais pobres para as mais desenvolvidas do país, causando um "inchaço" das metrópoles e a escassez de emprego. Aliado a isso, a ordem capitalista vigente exige cada vez mais a especialização da mão-de-obra, diminuindo a capacidade do mercado formal de absorver um maior contingente de trabalhadores, relegando a estes as inconstâncias da informalidade.

Para finalizar, gostaria de fazer um apelo aos amigos cientistas sociais. A situação é crítica e os problemas estão a todo o tempo sendo estudados e trabalhados dentro da Academia. Mas quando a única coisa que se faz é repetir e questionar sob uma visão romântica, a mudança social tardará a acontecer. Encarem a realidade. Assim como foi personificada no texto anterior, ela é feia, fétida e doentia.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Anunciação

Esta noite o Diabo me visitou em sonho. Trazia consigo um outro anjo, acompanhando seus gestos como um feixe de luz branca.

Em certo momento, Ele rompeu o silêncio e, com uma voz rouca, meio masculina, meio feminina, sussurrou em meu ouvido direito o motivo de sua presença. Anunciava minha angústia.

Contava-me sobre as provações pelas quais os homens tinham que passar e me oferecia um caminho alternativo.

Enquanto caminhávamos por uma rua de paralelepípedos iluminados por estrelas, com sua mão direita suspendeu a Lua que se escondia no rio à medida que descíamos para a vila.

Lá chegando, apontava para uma jovem de corpo alvo e nu. Com uma rosa branca em sua boca escarlate, ela me oferecia algumas de suas uvas que restavam em seu seio. Sentindo fome, recusei.

"Não rejeite o que um estranho tem a lhe oferecer, sejas sábio."

Mais adiante, prostrou diante de mim meu inimigo. Ele tinha o sangue de minha família impregnado em suas mãos. Neste momento, eu tinha em punhos uma espada cravejada de rubis. Apontei para seu coração. No entanto, deixei a espada cair ao chão.

"Não tenhas compaixão de teu inimigo. Não deixes que ele venha governar sobre ti."

Então, indaguei a Ele se a recompensa pelo sacrifício não valeria a dor da negação. Admoestou-me com o vazio absoluto de sua existência.

"Não existe recompensa para o sofrimento. A dor é o caminho da morte. Deves reconhecer suas fraquezas e lutar contra elas. Todo Ser deve ter também um pouco do Mal, é necessário para o equilíbrio da Alma."

No instante em que mais uma vez contestaria seus conselhos, fui acordado pelos primeiros raios do Sol da Manhã.

"Como sempre, na vida real, estamos no meio de paradoxos e antinomias - obrigados a escolher o bem ao invés do mal, mas obrigados ao mesmo tempo, se queremos realizar nossa união com o fundamento divino de todo o ser, a escolher sem desejo e aversão, sem impor ao universo nossas noções de utilidade e moralidade."

Huxley

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Encontros nordestinos

Nesta semana passada, participei de um Congresso Nacional de Estudantes de Ciências Sociais, com pouco menos de 3 mil integrantes de quase todo o país. Não fiquei sabendo da presença de ninguém do estado do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo. Citaria também o estado do Acre, mas ainda não tenho certeza de sua existência.

Chegando em João Pessoa, sede do encontro, percebi uma interessante diferença entre as "favelas" de lá e as de cá. Ao contrário das habitações das favelas cariocas, as paraibanas eram todas casas baixas, com telhados e coloridas, em contraste com os puxadinhos cariocas que podem atingir os 5 pavimentos. Questionado, o motorista desconhecia a existência de facções criminosas no submundo paraibano, ficando o tráfico a critério de vendedores avulsos de drogas. Conflitos entre favelas existem, é claro, mas não organizado como no Rio.

-------

A Universidade Federal da Paraíba fica localizada razoavelmente distante do centro da cidade. No espaçoso campus, as tribos de aspirantes a cientistas sociais se aglutinavam em alojamentos e campings. Ao nosso lado direito ficavam os bons-de-copo de São Luis. Galera muito gente boa, que gostava muito de heavy metal e de uma boa cana. Notei que eles formavam um grupo um pouco mais fechado, apesar de termos criado um bom relacionamento com eles.

Além deles, conheci pessoas incríveis de Fortaleza, Natal, Recife e Aracaju. Os sergipanos foram com uma delegação restrita a menos de 5 pessoas. Com o fim da tarde do primeiro dia do Encontro chega a alegria dos baianos. Vêm cantando, batucando, sorrindo. A mistura nordestina estava preparada para dar mais simpatia ao evento.

-------

Na cantina da Tia Chica tive o primeiro contato com a absurda diferença de preços sudeste-nordeste. O coco a R$1,30 era um excelente convite aos cariocas para se recuperarem da Bohemia de R$2,50 da noite anterior. A macaxeira, ingrediente presente em quase todos os pratos, sustenta e custa pouco. Outra alternativa é o legítimo cuscuz de fubá nordestino, apreciado com jabá ou mesmo com queijo. O rubacão, famoso baião de dois cearense, completa a lista da talvez mais barata culinária brasileira.

O nordeste cultiva muita cana-de-açúcar, como sabemos. Como consequência, a cachaça é produzida em abundância e vendida a preços baixos devido à alta concorrência. Todos no Encontro tinham a sua marvada na mão, fosse ela do bar ou do engenho de um amigo. Na chegada ao estado, indo de Pernambuco, o que se via era uma vastidão do cultivo da cana.

-------

A Paraíba com seus nativos, ao contrário do que pensa a bitolada mentalidade carioca, é um lugar lindo e de gente hospitaleira. Podemos ficar à vontade para obter qualquer informação sem correr o risco de pararmos fora da cidade. Os turistas são tratados de maneira muito educada, sem nenhuma demonstração de hostilidade. Outra coisa boa é a segurança. Tudo bem que João Pessoa seja um tédio à noite, mas pelo menos não somos assaltados se andamos bêbados solitários pelas suas ruas. Experiência própria.

-------

A música predominante é o forró pé de serra, com algumas exceções, como o baião. O proibidão, importado do Rio, se arriscava sem força com seu batidão carregado de sotaque nasalado em meio à implacável concorrência dos acordeões. Em João Pessoa, os ouvintes de funk são taxados como marginalizados. Como diria um grande poeta contemporâneo, "Cada um no seu quadrado".

-------

As praias da Paraíba, mesmo as do centro urbano, não são impregnadas de vendedores ambulantes estourando nossos tímpanos. Outra coisa interessante é a existência, a cada 5 metros, de uma lixeira para que os banhistas deixem sua sujeira. Poderíamos achar isso o máximo não fosse a quantidade abundante de lixo deixado na areia. Provavelmente os paulistas vieram em massa, pensei.

-------

Voltando um dia de Coqueirinhos, pedi a um homem que fosse buscar meus três amigos que tinham ficado para trás. Para que eles não perdessem o último ônibus, o homem teria que fazer 3 viagens em sua moto. Ele cobrou com um certo receio de ouvir uma resposta negativa 10 reais para executar a tarefa. Quando pegou seu pagamento, segurava estático a nota de 20 reais, fitando com brilho nos olhos a enorme quantia de dinheiro que acabara de receber. O litoral sul do estado é impressionantemente lindo e pobre. Os humildes moradores desse canto esperam no escuro os escassos ônibus da prefeitura para se locomoverem de um lado pra outro, sobre uma estrada de terra cheia de buracos e sob um pôr-do-sol incrível num céu de iminentes constelações.

Essa minha viagem para a Paraíba teve um emocionante desfecho diante de uma natureza fantástica ao lado de pessoas incríveis. No dia seguinte já pegava carona com a galera de Natal até Goianinha-RN. A cidade é vizinha da também pequena Pipa, mas sem sua beleza celestial, o que torna a discrepância de preços exorbitante. Pipa é de fato um paraíso, com belíssimas praias e um luaR fora do normal. Em um dos poucos dias que fiquei por lá conheci seu Antônio, morador há 30 anos do lugarejo. Pipa estava se preparando para festejar o dia da independência com centenas de turistas propensos a torrar seu dinheiro e novos gringos dispostos a abrir novos restaurantes e pousadas. Neste dia a rua principal foi fechada, fazendo com que a van que levava seu Antônio se desviasse de seu trajeto, obrigando o velho homem a andar um grande pedaço de terra aturando as mil perguntas de um maluco descabelado e descalço. As respostas de seu Antônio eram invariavelmente monossilábicas. Ele, como era de se esperar, ficou espantado com o crescimento do lugar. No entanto, acompanhou tal modernização, deixando de ser pescador para se tornar pedreiro. Deixei de importunar o velho e este seguiu seu caminho.

Na manhã seguinte, com grande dificuldade, tive que me despedir de Pipa. Da cidade que me encantou com o simultâneo pôr-do-sol e nascer da lua, infelizmente não pude apreciar o nascer do grande astro. Fica para a volta.

Peguei uma carona para João Pessoa e um ônibus de lá para Recife. No embarque, a triste realidade social brasileira me acordou de volta à vida. Sem um motivo lógico, aparente, neste caso, um dos meus amigos teve que ser revistado. Tentei acreditar que isto não aconteceu por ser ele o único negro do grupo, mas infelizmente não se ouviu o soar do detector de metais. Bruno, cara de grande intelecto e rico espírito, respondeu a esta atitude com um simples sorriso e um canto de "Sou negão, e daí?".

Prossegui viagem ao lado de um paraibano carismático de muita esperança. O jovem de 20 e poucos anos se despedia com fervorosa alegria da pobreza do interior nordestino. Seus olhos brilhavam quando me contava sobre sua irmã que já morava no rio há 2 anos e que lhe arrumara um emprego na cidade maravilhosa. Não sabia ainda em que trabalharia, mas o fato de passear pelo calçadão de Copacabana e conhecer o Cristo Redentor, tão falado na sua cidade, o enchia de felicidade e de confiança no futuro.

As diferenças sócio-econômicas entre as regiões do Brasil são gritantes. Assim como João Taveira, muitos retirantes nordestinos tentam a sorte em cidades como a nossa. Abandonam a tediosa labuta do sertão para se aventurar na difícil realidade suburbana dos grandes centros. Em meio a um mundo de pessoas famintas por emprego e maior renda, apenas uma pequena minoria consegue alcançar com relativo sucesso esse empreendimento. Espero que João esteja inserido neste grupo. Melhor ainda, espero que num futuro próximo nenhum menino com tamanho brilho nos olhos tenha que cruzar o país buscando oportunidades que já deveriam estar a seu alcance, nas mesmas medidas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O velho, a televisão e a comida

Melhor não ter TV do que depender da programação pública que ela oferece. Como um velho rabugento, estou afundado no sofá apertando o next do controle e reclamando sem parar.

[pausa para o colírio]

Liguei no canal da Band pra ver um ex-jogador analfabeto e (pior ainda) corinthiano debochando de um convidado com intelecto nitidamente mais exercitado. Como a apresentadora burra e (pior ainda) loira não soube como apaziguar a discussão, a emissora, de súbito, interrompeu o programa para apresentar os produtos do polishop. Fiquei esperando pra ver como tinha ficado a situação pós-barraco, mas não resisti à nona propaganda da super-mangueira-com-oito-funções.

[pausa para reclamar do barulho da obra ao lado]

Mudei para o canal do bispo Macedo. A apresentadora do jornal, tele-barraco (o diabo que seja), noticiava como furo de reportagem uma bicha afetada dando um sarrafo numa periguete gorda e tatuada suburbana que almoçava com seu pai. A bocó da apresentadora arreganhava a boca pra mostrar sua indignação diante do fato.

[pausa pra gritar com o vizinho de cima que pisa forte demais]

Não suportando mais o escândalo por porra nenhuma, mudei pra TV Globo. Na emissora da família brasileira encontrei mais uma reportagem da série Gripe Suína: o que é e como se prevenir. Nela, uma mulher hipocondríaca e (pior ainda) paulista explicava metodicamente como não pegar a influenza quando se pisa na calçada, pega um ônibus, chega no trabalho, sai pro almoço, volta pro trabalho, sai pra calçada, pega o ônibus e entra em casa. Quando eu, com forte tendência psicótica, começo a sentir dor de cabeça e mudo de canal.

[pausa pra ligar pro restaurante reclamando da demora]

TV Brasil seria uma alternativa muito boa, se não estivesse passando Menino Maluquinho. Nada contra o Ziraldo, mas é melhor gastar eletricidade assistindo a Furacão 2000 do que ver um pentelho usando uma panela na cabeça.

-------

A campainha toca. "Já era hora!", berrei. Como um velho amargurado e reumático, me levanto sobre as muletas pra atender o entregador com cara de bunda segurando minha comida fria. O almoço tem gosto de reprise de Chaves no SBT.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Muda Brasil, que eu quero ver!

Nesta quinta-feira, em pleno horário nobre, o povo fluminense se viu surpreendido pela propaganda eleitoral. Não que isso fosse novidade, mas o que deixou os telespectadores boquiabertos foi o PTB sendo entronizado por seu ilustre representante e líder nacional, Roberto Jefferson.

O lindo casal que apresenta o jornal da família brasileira teve que interromper sua transmissão para que Roberto pudesse fazer as honras de seu partido. É teve lá seus dez minutos para tentar convencer a todos da preocupação do PTB para com os trabalhadores e principalmente da moral dentro da vida política.

E quando se fala em moral, ninguém melhor que Fernando Affonso Collor de Mello para representar os interesses de sua máfia... digo, partido. O alagoano, recém nomeado para a presidência da Comissão de Infra-estrutura do Senado, falou à população sobre a importância da honra e idoneidade moral na administração pública.

Já muito bem representado, o partido termina sua propaganda com um belo jingle provavelmente criado e interpretado pelo virtuoso deputado federal Frank Aguiar. A música sintetiza bem o espírito da coisa.

Muda Brasil, que eu quero ver (!)
muda Brasil, com o PTB

Au!

segunda-feira, 30 de março de 2009

Nem um minuto a mais

No último sábado, a Organização Não Governamental WWF realizou uma campanha na qual moradores de noventa países interromperiam o consumo de energia elétrica durante uma hora - entre 20:30 e 21:30. Seguindo o exemplo de famosos cartões postais do mundo, milhares de pessoas aderiram à campanha. Por árduos e infindáveis sessenta minutos, desligaram seus computadores e vibradores, aproveitando o breu para desperdiçar um pouco daquela adormecida energia sexual real.

Lourenço, exímio estudante do ensino fundamental e voraz defensor do meio-ambiente, forçou os pais a desligarem as luzes de sua casa e foi até a do vizinho - não tão politicamente correto - para jogar uma partidinha de video game.

Faltando uma hora para o início do protesto, Mariana aproveitou para gastar bastante eletricidade para compensar o tempo de TVs e secadores de cabelo desligados.

E Pedro, que tava pouco se fudendo, assistia Mr Bean.

Neste exato momento, como uma sacanagem à altura de sua grandiosidade, o Maracanã (maior do mundo) ostentava seus poderosos cinco mil setecentos e cinquenta kilowatts de desperdício sobre 22 jogadores mercenários e uma dúzia de gatos pingados e molhados. Entre eles, eu, testemunhando meu Botafogo perder mais uma em um lucrativo Campeonato Carioca.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pro inferno em um segundo

A moléstia que abatia Pedro Castro durante todo o dia dilacerava seus pensamentos. A morte, cada vez mais presente, anunciava o desfecho de seu purgatório existencial.

Diante da arma de sua salvação, ajoelhado ele sacudia o dinheiro sob a vista de seu aclamado algoz. Não era muito, realmente, mas pra quem está acostumado a matar a troco de nada este não seria o menor empecilho.

-Me livre da doença da vida, pelo amor de Deus!
-Não quero me meter não, até porque não misturo emoções e negócios, mas não acha que morrer não vai adiantar nada, não? O senhor tem certeza de que vai ter vida depois do buraco que eu vou abrir no teu crânio?
-A vida eterna me foi garantida a partir do momento de meu batismo.
-Então por que o senhor mesmo não se mata, em vez de gastar dinheiro com uma coisa que você mesmo pode fazer?
-E prá quê o senhor acha que eu vou querer economizar antes de morrer?
-Sei lá! Se o senhor ressuscitar pode querer usar esse dinheiro pra outra coisa.
-A questão é que não vou ressuscitar. Minha alma transmigrará para o paraíso.
-Quem te disse isso?
-Como "Quem te disse isso"? Eu sei, porra!
-E como o senhor sabe? Já morreu alguma vez antes?
-Não, ué... é que o Sumo-Sacerdote disse.
-Então, ele já?
-Escuta, ninguém precisou morrer pra saber disso. Sabemos porque sentimos isso, pela fé. E outra, eu não tô te pagando pra me aconselhar. Pra isso servem os terapeutas. Eu te contratei é pra enfiar uma bala na minha cabeça, será que tá difícil?
-Tá certo. Eu só queria entender que parada de fé é essa aí, mas já que o senhor não sabe explicar...
-Não sei e nem quero.
-Ah é? Então tá bom. Eu não te mato também, pronto.
-O quê? Tá maluco? Eu tô te pagando!
-Não preciso do seu dinheiro, não tô mais afim e não fui com a sua cara.
-Já que não foi com a minha cara, me mata então, porra!!
-Se eu te matar, vou estar te ajudando. Aliás, não só ao senhor, mas a todas as pessoas que te cercam. Assim eu as livraria da sua existência miserável, né...
-Miserável é o senhor que não sabe nem falar direito!
-E o senhor, que é tão covarde que precisa pagar pra que te matem?
-Só não faço eu mesmo porque senão vou pro inferno.
-Mas o senhor vai de qualquer jeito, miserável do jeito que é...
-Se continuar a me ofender, quem vai pro inferno é o senhor!
-Agora ficou valente? Chegou aqui suando frio e agora dá uma de macho?

Pedro Castro não suportou a força de sua ira e meteu quatro balas no peito de seu algoz com sua própria pistola. Atordoado, percebeu que tinha acabado de perder sua salvação. Com a bala seguinte que restou, enfiou o cano pela boca e puxou o gatilho.

Minutos mais tarde, um moleque de nove anos compra crack com os duzentos reais que encontrou sem dono no beco do morro.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Clasico

Solidào de cor escarlate,
o gosto do fel é o que resta do sabor prolongado na boca
que seca, morde, arranca um pedaço
da língua que só propaga o mal
Descem pela garganta
a desilusào e o ódio
E o desejo de vingança contamina o juízo,
que se converte em taça quebrada
e corta a mào,
derramando o sangue
que se mistura com o vinho.