quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Entre o Vaticano e o Inferno

Mundim recebeu a notícia do nascimento de sua filha Maitane da mesma forma como o fez das outras vezes, condescendente. A chegada de sua quinta filha não lhe trouxe mais do que preocupação numa quente tarde de abril.

No mesmo dia, toma posse o ducentésimo sexagésimo quinto sucessor de São Pedro, o Bendito Papa Ratzinger, diante de uma quantidade milionária de testemunhas fervorosas.

Numa escala semelhante, os habitantes da muçulmana Zalawi sobrevivem à seca sufocante e impiedosa fome. Trabalham 50 centos para cada quatorze horas de rigorosa labuta. As crianças de Mundim se alimentam de copras - miolo de cocos - ou de uma sopinha de cactus que o patriarca leva para casa em uma jornada de sorte.

Enquanto desfalece em sua santa fadiga, o velho e quadrado pai dos cristãos discorre sobre a morte de novos coitados espermatozóides em decorrência do uso da camisa do capeta.

Mundim contraiu o vírus HIV de uma prostituta barata no centro de Zalawi e o transmitiu para o sangue de sua esposa, que continuou o círculo vicioso e os copiou na vida de suas cinco filhas.
Pouco antes de começar a tomar consciência de sua infeliz e trágica existência, a desnutrição assume sua natureza e Maitane sucumbe às dores do turbulento ser africano e vaga sonâmbula pelo esquecimento da morte.

---

Sob as abóbadas celestiais da Mansão do Vaticano e usando seu ridículo e habitual chapéu bordado a fios de ouro e ostentando o mais novo modelo Prada em seus pés cansados de guerra, o Vigário de Cristo faz um apelo ao mundo socialmente desigual para que olhemos pelos pobres.

Entre o Vaticano e o Inferno existem mais do que almas perdidas. Existe a cumplicidade da culpa, a negligência e muita falta de vergonha.

"Nos ergo debemus sublevar euismod, ut cooperatores simus veritatis"

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Papo de maconheiro

Tudo papo de maconheiro. A liberdade é azul, a igualdade é branca e os olhos são vermelhos - ou vocês acham mesmo que Napoleão não puxava um?

A História nos conta a trajetória cultural-religiosa da erva enquanto a contra-história americana põe a gente sentado com cara de bunda assistindo o marijuana shall make you mad - sim, com bastante sotaque que é para a inevitável associação com os cucaracha. O que diria Lincoln, com aquele olhar desorientado e barbão de hiponga?

Dom Pedro 2, amigo do ilustre Xangô de Baker St., aprendeu com seu pai as peripécias de curtir um bom fumo, mas ao contrário do velho não deu piti nas beiradas do Ipiranga só por causa de uma bad trip.

E quando o grande e ilustre Fidelito, el Castro (salve, companheiro) adentrou pela Baía dos Porcos atrás de seu mais estimado sonho de consumo -as propriedades- fumava o quê naquele charuto? E o Che, figura estampada nas camisas de todo maconheiro que se preze, andava fazendo o que pra ficar com aquela cara chapada?

Bem, nem preciso mencionar Mahatma Gandhi pregando a paz entre os homens.

E o Hitler? Não, esse era careta.
---
Durante toda a minha existência tola - vastos vinte e dois anos - presenciei a hipocrisia de uma sociedade inteira que mete a mão na merda com luvas esterelizadas do bom-costume. E durante todo esse tempo ouvi as pessoas tapando os ouvidos para uma verdade que pode não tornar inofensiva a prática, mas que também não nos transformará em demônios.

E fico a pensar nisso tudo enquanto espero a comida fria do gran sapore restaurant chegar, até que de um grupo de bonequinhas de luxo shoppingeiras e boqueteiras - leia-se patricinhas - se ergue a líder (mais popular), erguendo a sua Louis Vuitton e esbraveja: "Eu não voto nesse cara, ele é o maior maconheiro!"

Daí eu penso: puta que pariu! A humanidade vai ficar presa para sempre na inércia do conservadorismo.

Papo de maconheiro, sem hipocrisia.