segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Clasico

Solidào de cor escarlate,
o gosto do fel é o que resta do sabor prolongado na boca
que seca, morde, arranca um pedaço
da língua que só propaga o mal
Descem pela garganta
a desilusào e o ódio
E o desejo de vingança contamina o juízo,
que se converte em taça quebrada
e corta a mào,
derramando o sangue
que se mistura com o vinho.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Cien años de navidad

Enquanto viajava pelas estradas sinuosas e esburacadas, de dentro do ônibus ele já organizava os pensamentos para o que de fato viria acontecer. Tentava não se esquecer de ninguém. Procurava nas lembranças todas as personagens da infância, uma a uma, para que fossem saudadas durante a grande comemoração de natal.

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Agora seus antigos cúmplices de campainhas e vidros estilhaçados são homens de família, trabalho e fé, sendo que a religião lhes incutiu a falta de razão. Condena-se o razoável e aceita-se com bons olhos o absurdo. A lucidez é substituída pela emoção. Todas as escolhas devem estar baseadas e sustentadas por uma ideologia que somente gira ao redor de um mesmo plano. As idéias são restringidas pela moral e ética pré-estabelecidas por leis um tanto arbitrárias.

O trabalho deve ser realizado respeitando uma hierarquia obsoleta, retrógrada. A ambição não é tolerada pela rigidez da Igreja. Assim, cada um permanecerá sempre em seu patamar original, sem que haja qualquer mobilização social, garantindo assim o privilégio herdado do patriarcalismo cristão.

Seus amigos trabalham na única Fábrica que a vila possui, sendo detentora de todas as mordomias provenientes do subsídio. Nesta vila, o monopólio é instigado pelo poder executivo. Coincidentemente, a família que comanda a economia deste lugar é a mesma que faz o jogo político há gerações. Eles manipulam a vida social do povo e se baseiam nas escrituras para alienar essas pobres almas. Por inevitável consequência, Vila de São Tomé parou no tempo. Lá nada se cria, nada se transforma.

As mesmas pessoas que defendem a moral universal contribuem pouco a pouco com a degradação ambiental. O rio que abastece o pequeno vilarejo é constantemente assassinado com lixo doméstico e industrial. Hoje, já não é aconselhável o consumo de suas águas, repletas de mercúrio e chumbo. A informação recebida pela população não é suficiente para frear os crescentes índices de câncer que apodrecem a vida de São Tomé.

Viver, lá possui um significado um tanto concreto, definido. Acordar, comer, trabalhar, dormir. O que foge disso é censurado por olhos impiedosos e línguas venenosas. A vida particular é mera fantasia, simplesmente não existe. O que acontece na vida de cada um tem que ser sim compartilhada com a curiosidade do seu próximo. Assim, o controle ético está garantido.

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Ele amarra o cadarço do tênis, arruma o cabelo e respira fundo. Dali a pouco, quando descer do ônibus, será minuciosamente analisado pelos olhares curiosos de São Tomé. Relembra tudo o que pode ser levado em consideração nas rodas de conversas. Já sabe quais serão os temas debatidos e se convence de que ser polêmico em um universo cheio de hipocrisia não será uma boa idéia.

Chega em casa, abre a porta, dá um grande sorriso. Todos esperam para celebrar com ele essa festa que serve como pretexto para uma reunião familiar. Neste dia, tios, avós, primos e irmãos se esquecem de todas as desavenças e convivem na comunhão celestial. No natal, os pobres são lembrados no discurso que antecede a ceia farta. Durante esse minuto, sentem o peso de suas consciências. Mas logo se convencem de que a miséria existe porque o diabo assim quis.

Quando a festa é finita, ajeita suas coisas e parte sob as lágrimas saudosistas de seus pais. Estes já começam a planejar o próximo evento que reunirá seus filhos forasteiros novamente.

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Olhando pela janela do ônibus, vai deixando todas as incertezas para trás, debaixo dos empoeirados paralelepípedos. Retoma a razão e vai embora sem ter a esperança de encontrar algo novo em seu próximo retorno.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Ô Cride, fala pra mãe!

Enquanto trombadinhas assaltam pelas ruas do Rio, enquanto os velhinhos jogam sueca na praça do Lido, enquanto uma grávida dá a luz num hospital público da baixada e enquanto um cachorro de madame caga na calçada, você está sentado no sofá esperando a morte te tragar lentamente. E as coisas aconteceram, mudaram, pularam... e quando se dá conta, cadê?

Você desperdiçou todas as tardes de domingo com o Programa do Gugu. Viu aquela cara cheia de botox explorando a tristeza alheia. Se compadeceu dessas pobres almas, mesmo que você fosse incapaz de compartilhar o alimento do próprio prato.

Perdeu uma infância inteira de jaboticabeiras, correrias e outras molecagens enquanto esperava a Xuxa descer de seu disco voador e te ensinar toda a sorte de futilidades. Viu um palhaço medonho te roubar muitas noites de sono. Você era fã de uns mexicanos de imbecilidade repetitiva, que até te fizeram comprar seus produtos. Teve informação suficiente para se tornar uma criança idiota.

Criança idiota, adolescente idiota, adulto idiota. Desperdiçou todas as energias se masturbando diante dos filmes madrugais de Emanuelle, até ter surpreendido seu pai fazendo o mesmo. Você foi uma criança com muitas espinhas e poucos amigos. Teve seu caráter formado pelas retóricas ideológicas de Malhação, uma juventude plastificada e pobre de espírito. Por efeito, Malhação é a preparação que as cabeças aborrecentes recebem para as novelas que assistirão futuramente, quando já tiverem idade adulta. Quando forem, enfim, pais idiotas.

Seus filhos vão ser pequenos comedores de Big Mac. Na propaganda, uma criança feliz e sorridente lambe os lábios e chupa os dedos diante dessa ração de carboidrato. Os olhos de suas criaturas vão brilhar e você vai se lembrar de quando viu pela primeira vez na TV o comercial do "sorvete que é a sensação do momento" (a gíria não foi adaptada aos nossos tempos). Sua prole vai crescer e comprar cada vez mais. Vão te roubar e mentir pra você.


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Você envelheceu e se envergonhou de nunca ter pintado um quadro ou de nunca ter escrito uma música. Idolatrou esse tempo todo a televisão como um obediente servo. Comprou todos os seus produtos, seguiu à risca seu padrão de estética. Deixou de interagir com a sociedade para ficar engaiolado no seu tédio.

Agora, sentado no sofá, você não é ninguém. Nunca foi ninguém. Não vale a ruga que te resta, nem a morte que te consome.

A mãe diz pra eu fazer alguma coisa, mas eu não faço nada
A luz do sol me incomoda então deixo a cortina fechada
É que a televisão me deixou burro, muito burro demais
Agora vivo dentro desta jaula junto dos animais
Ô Cride, fala pra mãe...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Supernova

A sua harmonia com a natureza é tão intensa que hoje, especialmente, ela chora.


E me faz lembrar a sua calma. Sua respiração, seu sono. Me lembra Chico e a timidez de vocês dois. A não ser que de súbito te acordo, então a voz grave do Arnaldo me infesta a cabeça com toda a força de um protesto.

"Queria te chamar pra viajar, acorda. Vamos que a vida é curta mas a vontade é enorme. Ainda não conhecemos nada por completo, só um ao outro.Ouça o barulho lá fora. Relaxe, não pense em mais nada além do céu.

Relembre a tua infância, tuas molecagens, os pés descalços pelas calçadas e ruas de paralelepípedos. Sinta a terra com as palmas das mãos e depois agarre-as por entre as unhas. Sinta a lychia nos lábios, na língua, nos dentes.

Sente o cheiro? É terra molhada."

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Maiana é a água que cai pela minha janela. Ela molha as folhas, escorre pelo tronco, penetra na terra e germina a semente. É a sinfonia da natureza, o som belíssimo da chuva. O frescor que entra pelas minhas narinas. É o relâmpago. É o estrondoso trovão!

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"Depois que passar a chuva poderemos olhar o céu limpo, vê. Através do primeiro buraco nas nuvens conseguiremos enxergar as outras estrelas. Impávidos, ganharemos o espaço e atravessaremos todos os limites, ultrajando o infinito."

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Maiana é uma dessas estrelas que nasceram na ocorrência de uma supernova. É linda como Andrômeda e tem a energia de Júpiter. Tem o poder da água, do vento, do ar e do fogo. Eu sou seu quinto elemento.

Ela é a Essência eterna que vaga pelo silencioso Universo.



Feliz aniversário, Pretinha.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

As várias faces do Macaco

"Existem atualmente cento e noventa e três espécies de macacos e símios. Cento e noventa e duas delas têm o corpo coberto de pelos. A única exceção é um símio pelado que a si próprio se cognominou Homo sapiens."

Desmond Morris, "O macaco nu"

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Dentro da sociedade presente existem várias espécies desses primatas, muitos deles velhos conhecidos e facilmente identificados por quase todos. Quase.

Muito comumente vemos bandos de seres unidos pelo ódio passeando pelas nobres noites cariocas, desordenando o espaço visual público e espancando profissionais do sexo. Os Orangotangos -como são conhecidos - frequentemente guerreiam com os machos do outro bando, quando na verdade seu sensível instinto sexual os convida a uma perigosa noite de cópula.

Há também o Mandril. Este ser recebeu a graça da natureza de nascer com a bunda colorida. Esta população se concentra na zona litorânea sul do Rio, lugar o qual oferece atrações ao público nos sábados e domingos de cada mês. O gênero masculino vencedor do embate é aquele cujas nádegas sejam mais vistosas. As fêmeas são disputadas, uma a uma, segundo um rigoroso critério de beleza definido pelos machos.

Tem ladrão, filho da avó, legalize, sábios (estes são geralmente barrigudos e barbudos), antonietas e bonobos - que fodem todo dia. E infelizmente existe o Pan troglodytes.

Este ser é quadrúpede, capaz de pular, escalar e permanecer suspenso. A maioria das pessoas têm conhecimento sobre este bicho por ele ter muita facilidade para irritar a espécie humana, além de utilizar métodos suspeitos para se estabelecer no comando de seu bando.

Ele vive na região petrolífera texana, pesca habitualmente, tem as bochechas rosadas e se comunica de maneira arcaica. É também conhecido como Chimpanzé.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O que já não é novidade

Há muito tempo que já se ouve falar sobre as grandes catástrofes, calamidades públicas e colapsos econômicos. Menos novidade ainda para nós é saber que tudo isso faz parte de um dos infinitos ciclos da existência.

A paz idealizada por Jesus o Cristo foi a mesma musa inspiradora dos sonhos de Gandhi, Martin Luther King ou Nelson Mandela, tendo como diferencial apenas o cenário político. E continua sendo motivo de protestos, mesmo que já tenha sido violentada diversas vezes como uma prostituta indefesa.

Eventualmente entra pela porta da vida mais um novo republicano no paraíso da superpotência. Equivalentemente mais um fanático barbudo sai pela mesma porta para encontrar o seu próprio paraíso. São coisas que se repetem.

Assim como os furacões e maremotos continuam agindo em favor da terra, tentando insistentemente e, na grande maioria das vezes sem sucesso, destruir enfim essa bactéria parasita conhecida vulgarmente como humanidade.

O Homem, com seu enorme potencial destrutivo, continua sendo limitado pela sua baixa capacidade de raciocínio e castigado pela sua fiel concubina, a consequência.

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Pulando de galho em galho, os chefes do primeiro mundo e do submundo continuam se cumprimentando e dando aqueles sorrisinhos corroídos pelo whisky ou pela cachaça, sem chegar a acordo algum. Cabe ao ilustre líder mundial o poder de decidir sobre nosso destino.

Eis que já é então crescido o fruto do ventre do conservadorismo, e ele é o dono da bola. A brincadeira só acontece se ele quiser participar. Como o prêmio oferecido não lhe é atraente, toma a decisão em seus braços e a esconde sob as sais de sua digníssima mãe. É aí que tudo continua sendo exatamente como já foi antes.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Entre o Vaticano e o Inferno

Mundim recebeu a notícia do nascimento de sua filha Maitane da mesma forma como o fez das outras vezes, condescendente. A chegada de sua quinta filha não lhe trouxe mais do que preocupação numa quente tarde de abril.

No mesmo dia, toma posse o ducentésimo sexagésimo quinto sucessor de São Pedro, o Bendito Papa Ratzinger, diante de uma quantidade milionária de testemunhas fervorosas.

Numa escala semelhante, os habitantes da muçulmana Zalawi sobrevivem à seca sufocante e impiedosa fome. Trabalham 50 centos para cada quatorze horas de rigorosa labuta. As crianças de Mundim se alimentam de copras - miolo de cocos - ou de uma sopinha de cactus que o patriarca leva para casa em uma jornada de sorte.

Enquanto desfalece em sua santa fadiga, o velho e quadrado pai dos cristãos discorre sobre a morte de novos coitados espermatozóides em decorrência do uso da camisa do capeta.

Mundim contraiu o vírus HIV de uma prostituta barata no centro de Zalawi e o transmitiu para o sangue de sua esposa, que continuou o círculo vicioso e os copiou na vida de suas cinco filhas.
Pouco antes de começar a tomar consciência de sua infeliz e trágica existência, a desnutrição assume sua natureza e Maitane sucumbe às dores do turbulento ser africano e vaga sonâmbula pelo esquecimento da morte.

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Sob as abóbadas celestiais da Mansão do Vaticano e usando seu ridículo e habitual chapéu bordado a fios de ouro e ostentando o mais novo modelo Prada em seus pés cansados de guerra, o Vigário de Cristo faz um apelo ao mundo socialmente desigual para que olhemos pelos pobres.

Entre o Vaticano e o Inferno existem mais do que almas perdidas. Existe a cumplicidade da culpa, a negligência e muita falta de vergonha.

"Nos ergo debemus sublevar euismod, ut cooperatores simus veritatis"

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Papo de maconheiro

Tudo papo de maconheiro. A liberdade é azul, a igualdade é branca e os olhos são vermelhos - ou vocês acham mesmo que Napoleão não puxava um?

A História nos conta a trajetória cultural-religiosa da erva enquanto a contra-história americana põe a gente sentado com cara de bunda assistindo o marijuana shall make you mad - sim, com bastante sotaque que é para a inevitável associação com os cucaracha. O que diria Lincoln, com aquele olhar desorientado e barbão de hiponga?

Dom Pedro 2, amigo do ilustre Xangô de Baker St., aprendeu com seu pai as peripécias de curtir um bom fumo, mas ao contrário do velho não deu piti nas beiradas do Ipiranga só por causa de uma bad trip.

E quando o grande e ilustre Fidelito, el Castro (salve, companheiro) adentrou pela Baía dos Porcos atrás de seu mais estimado sonho de consumo -as propriedades- fumava o quê naquele charuto? E o Che, figura estampada nas camisas de todo maconheiro que se preze, andava fazendo o que pra ficar com aquela cara chapada?

Bem, nem preciso mencionar Mahatma Gandhi pregando a paz entre os homens.

E o Hitler? Não, esse era careta.
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Durante toda a minha existência tola - vastos vinte e dois anos - presenciei a hipocrisia de uma sociedade inteira que mete a mão na merda com luvas esterelizadas do bom-costume. E durante todo esse tempo ouvi as pessoas tapando os ouvidos para uma verdade que pode não tornar inofensiva a prática, mas que também não nos transformará em demônios.

E fico a pensar nisso tudo enquanto espero a comida fria do gran sapore restaurant chegar, até que de um grupo de bonequinhas de luxo shoppingeiras e boqueteiras - leia-se patricinhas - se ergue a líder (mais popular), erguendo a sua Louis Vuitton e esbraveja: "Eu não voto nesse cara, ele é o maior maconheiro!"

Daí eu penso: puta que pariu! A humanidade vai ficar presa para sempre na inércia do conservadorismo.

Papo de maconheiro, sem hipocrisia.