terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Free Generation

Esta expressão, estampada na camiseta de um garoto de uns vinte e poucos anos, levou-me a refletir sobre que tipo de liberdade ainda nos é permitida.

O rapaz da camiseta provavelmente descansava de seu emprego, talvez em uma obra qualquer, a julgar pela poeira que o encobria e pela tinta que manchava de branco ambos os seus braços. O tempo ocioso deve ser o mínimo suficiente para recuperar as forças e voltar à labuta de dezesseis horas diárias. Então, volta para casa a encerrar o ciclo de horas de um dia, sem poder compreender o significado estrito das palavras inglesas que carrega em seu peito.

Distinto apenas pelo seu conhecimento da língua estrangeira e por suas expectativas de futuro, os novos graduandos do ensino superior tornam-se cada vez mais escravos do dinheiro e do tempo imposto pela economia de uma nova ordem, produtivista e cínica.

Geração livre que depende do vício dos sintéticos para fugir da realidade, o soma de nosso Admirável Mundo Novo. É a liberdade para fugir, não para enfrentar.

Geração esta que vive presa às convenções morais do fanatismo religioso, pregadas nas assembleias e não vividas na prática. Juventude consumidora de padrões estéticos vendidos aos montes pelas novelas da Fábrica de Sonhos. Geração que se diz revolucionária, mas que vive limitada às ideologias românticas de experiências históricas fracassadas.

Somos parte de uma geração livre para repetir. Quem sabe um dia livre para pensar.

"Se a liberdade significa alguma coisa, será, sobretudo, o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir."

G. ORWELL

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Mais do mesmo (para os mais sensíveis)

Esta é uma forma de transmitir para meus amigos de maneira menos "agressiva" a minha opinião acerca de alguns transtornos que a cidade do Rio de Janeiro causa a seus cidadãos no seu cotidiano.

Assim como faço todos os dias, saí da Faculdade para pegar um ônibus até a Fundação Getulio Vargas. As falhas do sistema de transporte público da cidade não são novidade para ninguém, mas, ao passo que você depende exclusivamente do transporte coletivo, as deficiências tornam-se ainda mais irritantes, principalmente em um dia típico de verão desta cidade tropical.

O trajeto Gávea-Botafogo é só um exemplo das centenas de ruas congestionadas espalhadas pela metrópole. O fluxo intenso de automóveis inunda as ruas estreitas, contribuindo com a degradação implacável da camada de ozônio. Uma solução já esboçada por alguém sugeria que pessoas do mesmo ofício revezassem como motoristas de seus colegas de labuta, diminuindo, portanto, a quantidade de carros nas ruas. Mas a ideia não teve muida adesão pois, para o homem moderno, cada vez mais individualista, abrir mão de seu conforto e solidão seria um infortúnio desnecessário. À medida que subimos nos estratos sócio-econômicos nos deparamos com uma situação ainda mais desagradável, onde pai e mãe de uma mesma família saem de casa em seus respectivos carros.

Enquanto isso, a população mais pobre continua refém das decisões da Máfia do transporte coletivo, em conivência com o poder público. A escassez de ônibus obriga os passageiros a apertarem-se dentro do coletivo. Há pessoas que ficam prestes a caírem pelas portas. Os motoristas, mal instruídos pelas Companhias, arrancam com os veículos colocando em risco a integridade física dos cidadãos, que pagam um preço abusivo sem poder desfrutar de um mínimo conforto - o direito a um assento! - para se locomoverem de sua casa até o local de trabalho. Nestas circunstâncias, pensar em instalar ar-condicionado em todos os coletivos seria uma forma de atenuar o mal-estar causado pelo calor que castiga a cidade durante quase todo o ano e que lhe confere o doce apelido de inferno tropical.

Além deste transtorno para a sociedade, que é o deficiente sistema de transporte público, o subemprego é outra questão muito importante a ser discutida. Consequência da modernização do campo e da expectativa de auferir maior renda, milhares de cidadãos migram todo ano de regiões mais pobres para as mais desenvolvidas do país, causando um "inchaço" das metrópoles e a escassez de emprego. Aliado a isso, a ordem capitalista vigente exige cada vez mais a especialização da mão-de-obra, diminuindo a capacidade do mercado formal de absorver um maior contingente de trabalhadores, relegando a estes as inconstâncias da informalidade.

Para finalizar, gostaria de fazer um apelo aos amigos cientistas sociais. A situação é crítica e os problemas estão a todo o tempo sendo estudados e trabalhados dentro da Academia. Mas quando a única coisa que se faz é repetir e questionar sob uma visão romântica, a mudança social tardará a acontecer. Encarem a realidade. Assim como foi personificada no texto anterior, ela é feia, fétida e doentia.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Anunciação

Esta noite o Diabo me visitou em sonho. Trazia consigo um outro anjo, acompanhando seus gestos como um feixe de luz branca.

Em certo momento, Ele rompeu o silêncio e, com uma voz rouca, meio masculina, meio feminina, sussurrou em meu ouvido direito o motivo de sua presença. Anunciava minha angústia.

Contava-me sobre as provações pelas quais os homens tinham que passar e me oferecia um caminho alternativo.

Enquanto caminhávamos por uma rua de paralelepípedos iluminados por estrelas, com sua mão direita suspendeu a Lua que se escondia no rio à medida que descíamos para a vila.

Lá chegando, apontava para uma jovem de corpo alvo e nu. Com uma rosa branca em sua boca escarlate, ela me oferecia algumas de suas uvas que restavam em seu seio. Sentindo fome, recusei.

"Não rejeite o que um estranho tem a lhe oferecer, sejas sábio."

Mais adiante, prostrou diante de mim meu inimigo. Ele tinha o sangue de minha família impregnado em suas mãos. Neste momento, eu tinha em punhos uma espada cravejada de rubis. Apontei para seu coração. No entanto, deixei a espada cair ao chão.

"Não tenhas compaixão de teu inimigo. Não deixes que ele venha governar sobre ti."

Então, indaguei a Ele se a recompensa pelo sacrifício não valeria a dor da negação. Admoestou-me com o vazio absoluto de sua existência.

"Não existe recompensa para o sofrimento. A dor é o caminho da morte. Deves reconhecer suas fraquezas e lutar contra elas. Todo Ser deve ter também um pouco do Mal, é necessário para o equilíbrio da Alma."

No instante em que mais uma vez contestaria seus conselhos, fui acordado pelos primeiros raios do Sol da Manhã.

"Como sempre, na vida real, estamos no meio de paradoxos e antinomias - obrigados a escolher o bem ao invés do mal, mas obrigados ao mesmo tempo, se queremos realizar nossa união com o fundamento divino de todo o ser, a escolher sem desejo e aversão, sem impor ao universo nossas noções de utilidade e moralidade."

Huxley

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Encontros nordestinos

Nesta semana passada, participei de um Congresso Nacional de Estudantes de Ciências Sociais, com pouco menos de 3 mil integrantes de quase todo o país. Não fiquei sabendo da presença de ninguém do estado do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo. Citaria também o estado do Acre, mas ainda não tenho certeza de sua existência.

Chegando em João Pessoa, sede do encontro, percebi uma interessante diferença entre as "favelas" de lá e as de cá. Ao contrário das habitações das favelas cariocas, as paraibanas eram todas casas baixas, com telhados e coloridas, em contraste com os puxadinhos cariocas que podem atingir os 5 pavimentos. Questionado, o motorista desconhecia a existência de facções criminosas no submundo paraibano, ficando o tráfico a critério de vendedores avulsos de drogas. Conflitos entre favelas existem, é claro, mas não organizado como no Rio.

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A Universidade Federal da Paraíba fica localizada razoavelmente distante do centro da cidade. No espaçoso campus, as tribos de aspirantes a cientistas sociais se aglutinavam em alojamentos e campings. Ao nosso lado direito ficavam os bons-de-copo de São Luis. Galera muito gente boa, que gostava muito de heavy metal e de uma boa cana. Notei que eles formavam um grupo um pouco mais fechado, apesar de termos criado um bom relacionamento com eles.

Além deles, conheci pessoas incríveis de Fortaleza, Natal, Recife e Aracaju. Os sergipanos foram com uma delegação restrita a menos de 5 pessoas. Com o fim da tarde do primeiro dia do Encontro chega a alegria dos baianos. Vêm cantando, batucando, sorrindo. A mistura nordestina estava preparada para dar mais simpatia ao evento.

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Na cantina da Tia Chica tive o primeiro contato com a absurda diferença de preços sudeste-nordeste. O coco a R$1,30 era um excelente convite aos cariocas para se recuperarem da Bohemia de R$2,50 da noite anterior. A macaxeira, ingrediente presente em quase todos os pratos, sustenta e custa pouco. Outra alternativa é o legítimo cuscuz de fubá nordestino, apreciado com jabá ou mesmo com queijo. O rubacão, famoso baião de dois cearense, completa a lista da talvez mais barata culinária brasileira.

O nordeste cultiva muita cana-de-açúcar, como sabemos. Como consequência, a cachaça é produzida em abundância e vendida a preços baixos devido à alta concorrência. Todos no Encontro tinham a sua marvada na mão, fosse ela do bar ou do engenho de um amigo. Na chegada ao estado, indo de Pernambuco, o que se via era uma vastidão do cultivo da cana.

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A Paraíba com seus nativos, ao contrário do que pensa a bitolada mentalidade carioca, é um lugar lindo e de gente hospitaleira. Podemos ficar à vontade para obter qualquer informação sem correr o risco de pararmos fora da cidade. Os turistas são tratados de maneira muito educada, sem nenhuma demonstração de hostilidade. Outra coisa boa é a segurança. Tudo bem que João Pessoa seja um tédio à noite, mas pelo menos não somos assaltados se andamos bêbados solitários pelas suas ruas. Experiência própria.

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A música predominante é o forró pé de serra, com algumas exceções, como o baião. O proibidão, importado do Rio, se arriscava sem força com seu batidão carregado de sotaque nasalado em meio à implacável concorrência dos acordeões. Em João Pessoa, os ouvintes de funk são taxados como marginalizados. Como diria um grande poeta contemporâneo, "Cada um no seu quadrado".

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As praias da Paraíba, mesmo as do centro urbano, não são impregnadas de vendedores ambulantes estourando nossos tímpanos. Outra coisa interessante é a existência, a cada 5 metros, de uma lixeira para que os banhistas deixem sua sujeira. Poderíamos achar isso o máximo não fosse a quantidade abundante de lixo deixado na areia. Provavelmente os paulistas vieram em massa, pensei.

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Voltando um dia de Coqueirinhos, pedi a um homem que fosse buscar meus três amigos que tinham ficado para trás. Para que eles não perdessem o último ônibus, o homem teria que fazer 3 viagens em sua moto. Ele cobrou com um certo receio de ouvir uma resposta negativa 10 reais para executar a tarefa. Quando pegou seu pagamento, segurava estático a nota de 20 reais, fitando com brilho nos olhos a enorme quantia de dinheiro que acabara de receber. O litoral sul do estado é impressionantemente lindo e pobre. Os humildes moradores desse canto esperam no escuro os escassos ônibus da prefeitura para se locomoverem de um lado pra outro, sobre uma estrada de terra cheia de buracos e sob um pôr-do-sol incrível num céu de iminentes constelações.

Essa minha viagem para a Paraíba teve um emocionante desfecho diante de uma natureza fantástica ao lado de pessoas incríveis. No dia seguinte já pegava carona com a galera de Natal até Goianinha-RN. A cidade é vizinha da também pequena Pipa, mas sem sua beleza celestial, o que torna a discrepância de preços exorbitante. Pipa é de fato um paraíso, com belíssimas praias e um luaR fora do normal. Em um dos poucos dias que fiquei por lá conheci seu Antônio, morador há 30 anos do lugarejo. Pipa estava se preparando para festejar o dia da independência com centenas de turistas propensos a torrar seu dinheiro e novos gringos dispostos a abrir novos restaurantes e pousadas. Neste dia a rua principal foi fechada, fazendo com que a van que levava seu Antônio se desviasse de seu trajeto, obrigando o velho homem a andar um grande pedaço de terra aturando as mil perguntas de um maluco descabelado e descalço. As respostas de seu Antônio eram invariavelmente monossilábicas. Ele, como era de se esperar, ficou espantado com o crescimento do lugar. No entanto, acompanhou tal modernização, deixando de ser pescador para se tornar pedreiro. Deixei de importunar o velho e este seguiu seu caminho.

Na manhã seguinte, com grande dificuldade, tive que me despedir de Pipa. Da cidade que me encantou com o simultâneo pôr-do-sol e nascer da lua, infelizmente não pude apreciar o nascer do grande astro. Fica para a volta.

Peguei uma carona para João Pessoa e um ônibus de lá para Recife. No embarque, a triste realidade social brasileira me acordou de volta à vida. Sem um motivo lógico, aparente, neste caso, um dos meus amigos teve que ser revistado. Tentei acreditar que isto não aconteceu por ser ele o único negro do grupo, mas infelizmente não se ouviu o soar do detector de metais. Bruno, cara de grande intelecto e rico espírito, respondeu a esta atitude com um simples sorriso e um canto de "Sou negão, e daí?".

Prossegui viagem ao lado de um paraibano carismático de muita esperança. O jovem de 20 e poucos anos se despedia com fervorosa alegria da pobreza do interior nordestino. Seus olhos brilhavam quando me contava sobre sua irmã que já morava no rio há 2 anos e que lhe arrumara um emprego na cidade maravilhosa. Não sabia ainda em que trabalharia, mas o fato de passear pelo calçadão de Copacabana e conhecer o Cristo Redentor, tão falado na sua cidade, o enchia de felicidade e de confiança no futuro.

As diferenças sócio-econômicas entre as regiões do Brasil são gritantes. Assim como João Taveira, muitos retirantes nordestinos tentam a sorte em cidades como a nossa. Abandonam a tediosa labuta do sertão para se aventurar na difícil realidade suburbana dos grandes centros. Em meio a um mundo de pessoas famintas por emprego e maior renda, apenas uma pequena minoria consegue alcançar com relativo sucesso esse empreendimento. Espero que João esteja inserido neste grupo. Melhor ainda, espero que num futuro próximo nenhum menino com tamanho brilho nos olhos tenha que cruzar o país buscando oportunidades que já deveriam estar a seu alcance, nas mesmas medidas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O velho, a televisão e a comida

Melhor não ter TV do que depender da programação pública que ela oferece. Como um velho rabugento, estou afundado no sofá apertando o next do controle e reclamando sem parar.

[pausa para o colírio]

Liguei no canal da Band pra ver um ex-jogador analfabeto e (pior ainda) corinthiano debochando de um convidado com intelecto nitidamente mais exercitado. Como a apresentadora burra e (pior ainda) loira não soube como apaziguar a discussão, a emissora, de súbito, interrompeu o programa para apresentar os produtos do polishop. Fiquei esperando pra ver como tinha ficado a situação pós-barraco, mas não resisti à nona propaganda da super-mangueira-com-oito-funções.

[pausa para reclamar do barulho da obra ao lado]

Mudei para o canal do bispo Macedo. A apresentadora do jornal, tele-barraco (o diabo que seja), noticiava como furo de reportagem uma bicha afetada dando um sarrafo numa periguete gorda e tatuada suburbana que almoçava com seu pai. A bocó da apresentadora arreganhava a boca pra mostrar sua indignação diante do fato.

[pausa pra gritar com o vizinho de cima que pisa forte demais]

Não suportando mais o escândalo por porra nenhuma, mudei pra TV Globo. Na emissora da família brasileira encontrei mais uma reportagem da série Gripe Suína: o que é e como se prevenir. Nela, uma mulher hipocondríaca e (pior ainda) paulista explicava metodicamente como não pegar a influenza quando se pisa na calçada, pega um ônibus, chega no trabalho, sai pro almoço, volta pro trabalho, sai pra calçada, pega o ônibus e entra em casa. Quando eu, com forte tendência psicótica, começo a sentir dor de cabeça e mudo de canal.

[pausa pra ligar pro restaurante reclamando da demora]

TV Brasil seria uma alternativa muito boa, se não estivesse passando Menino Maluquinho. Nada contra o Ziraldo, mas é melhor gastar eletricidade assistindo a Furacão 2000 do que ver um pentelho usando uma panela na cabeça.

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A campainha toca. "Já era hora!", berrei. Como um velho amargurado e reumático, me levanto sobre as muletas pra atender o entregador com cara de bunda segurando minha comida fria. O almoço tem gosto de reprise de Chaves no SBT.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Muda Brasil, que eu quero ver!

Nesta quinta-feira, em pleno horário nobre, o povo fluminense se viu surpreendido pela propaganda eleitoral. Não que isso fosse novidade, mas o que deixou os telespectadores boquiabertos foi o PTB sendo entronizado por seu ilustre representante e líder nacional, Roberto Jefferson.

O lindo casal que apresenta o jornal da família brasileira teve que interromper sua transmissão para que Roberto pudesse fazer as honras de seu partido. É teve lá seus dez minutos para tentar convencer a todos da preocupação do PTB para com os trabalhadores e principalmente da moral dentro da vida política.

E quando se fala em moral, ninguém melhor que Fernando Affonso Collor de Mello para representar os interesses de sua máfia... digo, partido. O alagoano, recém nomeado para a presidência da Comissão de Infra-estrutura do Senado, falou à população sobre a importância da honra e idoneidade moral na administração pública.

Já muito bem representado, o partido termina sua propaganda com um belo jingle provavelmente criado e interpretado pelo virtuoso deputado federal Frank Aguiar. A música sintetiza bem o espírito da coisa.

Muda Brasil, que eu quero ver (!)
muda Brasil, com o PTB

Au!

segunda-feira, 30 de março de 2009

Nem um minuto a mais

No último sábado, a Organização Não Governamental WWF realizou uma campanha na qual moradores de noventa países interromperiam o consumo de energia elétrica durante uma hora - entre 20:30 e 21:30. Seguindo o exemplo de famosos cartões postais do mundo, milhares de pessoas aderiram à campanha. Por árduos e infindáveis sessenta minutos, desligaram seus computadores e vibradores, aproveitando o breu para desperdiçar um pouco daquela adormecida energia sexual real.

Lourenço, exímio estudante do ensino fundamental e voraz defensor do meio-ambiente, forçou os pais a desligarem as luzes de sua casa e foi até a do vizinho - não tão politicamente correto - para jogar uma partidinha de video game.

Faltando uma hora para o início do protesto, Mariana aproveitou para gastar bastante eletricidade para compensar o tempo de TVs e secadores de cabelo desligados.

E Pedro, que tava pouco se fudendo, assistia Mr Bean.

Neste exato momento, como uma sacanagem à altura de sua grandiosidade, o Maracanã (maior do mundo) ostentava seus poderosos cinco mil setecentos e cinquenta kilowatts de desperdício sobre 22 jogadores mercenários e uma dúzia de gatos pingados e molhados. Entre eles, eu, testemunhando meu Botafogo perder mais uma em um lucrativo Campeonato Carioca.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pro inferno em um segundo

A moléstia que abatia Pedro Castro durante todo o dia dilacerava seus pensamentos. A morte, cada vez mais presente, anunciava o desfecho de seu purgatório existencial.

Diante da arma de sua salvação, ajoelhado ele sacudia o dinheiro sob a vista de seu aclamado algoz. Não era muito, realmente, mas pra quem está acostumado a matar a troco de nada este não seria o menor empecilho.

-Me livre da doença da vida, pelo amor de Deus!
-Não quero me meter não, até porque não misturo emoções e negócios, mas não acha que morrer não vai adiantar nada, não? O senhor tem certeza de que vai ter vida depois do buraco que eu vou abrir no teu crânio?
-A vida eterna me foi garantida a partir do momento de meu batismo.
-Então por que o senhor mesmo não se mata, em vez de gastar dinheiro com uma coisa que você mesmo pode fazer?
-E prá quê o senhor acha que eu vou querer economizar antes de morrer?
-Sei lá! Se o senhor ressuscitar pode querer usar esse dinheiro pra outra coisa.
-A questão é que não vou ressuscitar. Minha alma transmigrará para o paraíso.
-Quem te disse isso?
-Como "Quem te disse isso"? Eu sei, porra!
-E como o senhor sabe? Já morreu alguma vez antes?
-Não, ué... é que o Sumo-Sacerdote disse.
-Então, ele já?
-Escuta, ninguém precisou morrer pra saber disso. Sabemos porque sentimos isso, pela fé. E outra, eu não tô te pagando pra me aconselhar. Pra isso servem os terapeutas. Eu te contratei é pra enfiar uma bala na minha cabeça, será que tá difícil?
-Tá certo. Eu só queria entender que parada de fé é essa aí, mas já que o senhor não sabe explicar...
-Não sei e nem quero.
-Ah é? Então tá bom. Eu não te mato também, pronto.
-O quê? Tá maluco? Eu tô te pagando!
-Não preciso do seu dinheiro, não tô mais afim e não fui com a sua cara.
-Já que não foi com a minha cara, me mata então, porra!!
-Se eu te matar, vou estar te ajudando. Aliás, não só ao senhor, mas a todas as pessoas que te cercam. Assim eu as livraria da sua existência miserável, né...
-Miserável é o senhor que não sabe nem falar direito!
-E o senhor, que é tão covarde que precisa pagar pra que te matem?
-Só não faço eu mesmo porque senão vou pro inferno.
-Mas o senhor vai de qualquer jeito, miserável do jeito que é...
-Se continuar a me ofender, quem vai pro inferno é o senhor!
-Agora ficou valente? Chegou aqui suando frio e agora dá uma de macho?

Pedro Castro não suportou a força de sua ira e meteu quatro balas no peito de seu algoz com sua própria pistola. Atordoado, percebeu que tinha acabado de perder sua salvação. Com a bala seguinte que restou, enfiou o cano pela boca e puxou o gatilho.

Minutos mais tarde, um moleque de nove anos compra crack com os duzentos reais que encontrou sem dono no beco do morro.