quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pro inferno em um segundo

A moléstia que abatia Pedro Castro durante todo o dia dilacerava seus pensamentos. A morte, cada vez mais presente, anunciava o desfecho de seu purgatório existencial.

Diante da arma de sua salvação, ajoelhado ele sacudia o dinheiro sob a vista de seu aclamado algoz. Não era muito, realmente, mas pra quem está acostumado a matar a troco de nada este não seria o menor empecilho.

-Me livre da doença da vida, pelo amor de Deus!
-Não quero me meter não, até porque não misturo emoções e negócios, mas não acha que morrer não vai adiantar nada, não? O senhor tem certeza de que vai ter vida depois do buraco que eu vou abrir no teu crânio?
-A vida eterna me foi garantida a partir do momento de meu batismo.
-Então por que o senhor mesmo não se mata, em vez de gastar dinheiro com uma coisa que você mesmo pode fazer?
-E prá quê o senhor acha que eu vou querer economizar antes de morrer?
-Sei lá! Se o senhor ressuscitar pode querer usar esse dinheiro pra outra coisa.
-A questão é que não vou ressuscitar. Minha alma transmigrará para o paraíso.
-Quem te disse isso?
-Como "Quem te disse isso"? Eu sei, porra!
-E como o senhor sabe? Já morreu alguma vez antes?
-Não, ué... é que o Sumo-Sacerdote disse.
-Então, ele já?
-Escuta, ninguém precisou morrer pra saber disso. Sabemos porque sentimos isso, pela fé. E outra, eu não tô te pagando pra me aconselhar. Pra isso servem os terapeutas. Eu te contratei é pra enfiar uma bala na minha cabeça, será que tá difícil?
-Tá certo. Eu só queria entender que parada de fé é essa aí, mas já que o senhor não sabe explicar...
-Não sei e nem quero.
-Ah é? Então tá bom. Eu não te mato também, pronto.
-O quê? Tá maluco? Eu tô te pagando!
-Não preciso do seu dinheiro, não tô mais afim e não fui com a sua cara.
-Já que não foi com a minha cara, me mata então, porra!!
-Se eu te matar, vou estar te ajudando. Aliás, não só ao senhor, mas a todas as pessoas que te cercam. Assim eu as livraria da sua existência miserável, né...
-Miserável é o senhor que não sabe nem falar direito!
-E o senhor, que é tão covarde que precisa pagar pra que te matem?
-Só não faço eu mesmo porque senão vou pro inferno.
-Mas o senhor vai de qualquer jeito, miserável do jeito que é...
-Se continuar a me ofender, quem vai pro inferno é o senhor!
-Agora ficou valente? Chegou aqui suando frio e agora dá uma de macho?

Pedro Castro não suportou a força de sua ira e meteu quatro balas no peito de seu algoz com sua própria pistola. Atordoado, percebeu que tinha acabado de perder sua salvação. Com a bala seguinte que restou, enfiou o cano pela boca e puxou o gatilho.

Minutos mais tarde, um moleque de nove anos compra crack com os duzentos reais que encontrou sem dono no beco do morro.