segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Encontros nordestinos

Nesta semana passada, participei de um Congresso Nacional de Estudantes de Ciências Sociais, com pouco menos de 3 mil integrantes de quase todo o país. Não fiquei sabendo da presença de ninguém do estado do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo. Citaria também o estado do Acre, mas ainda não tenho certeza de sua existência.

Chegando em João Pessoa, sede do encontro, percebi uma interessante diferença entre as "favelas" de lá e as de cá. Ao contrário das habitações das favelas cariocas, as paraibanas eram todas casas baixas, com telhados e coloridas, em contraste com os puxadinhos cariocas que podem atingir os 5 pavimentos. Questionado, o motorista desconhecia a existência de facções criminosas no submundo paraibano, ficando o tráfico a critério de vendedores avulsos de drogas. Conflitos entre favelas existem, é claro, mas não organizado como no Rio.

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A Universidade Federal da Paraíba fica localizada razoavelmente distante do centro da cidade. No espaçoso campus, as tribos de aspirantes a cientistas sociais se aglutinavam em alojamentos e campings. Ao nosso lado direito ficavam os bons-de-copo de São Luis. Galera muito gente boa, que gostava muito de heavy metal e de uma boa cana. Notei que eles formavam um grupo um pouco mais fechado, apesar de termos criado um bom relacionamento com eles.

Além deles, conheci pessoas incríveis de Fortaleza, Natal, Recife e Aracaju. Os sergipanos foram com uma delegação restrita a menos de 5 pessoas. Com o fim da tarde do primeiro dia do Encontro chega a alegria dos baianos. Vêm cantando, batucando, sorrindo. A mistura nordestina estava preparada para dar mais simpatia ao evento.

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Na cantina da Tia Chica tive o primeiro contato com a absurda diferença de preços sudeste-nordeste. O coco a R$1,30 era um excelente convite aos cariocas para se recuperarem da Bohemia de R$2,50 da noite anterior. A macaxeira, ingrediente presente em quase todos os pratos, sustenta e custa pouco. Outra alternativa é o legítimo cuscuz de fubá nordestino, apreciado com jabá ou mesmo com queijo. O rubacão, famoso baião de dois cearense, completa a lista da talvez mais barata culinária brasileira.

O nordeste cultiva muita cana-de-açúcar, como sabemos. Como consequência, a cachaça é produzida em abundância e vendida a preços baixos devido à alta concorrência. Todos no Encontro tinham a sua marvada na mão, fosse ela do bar ou do engenho de um amigo. Na chegada ao estado, indo de Pernambuco, o que se via era uma vastidão do cultivo da cana.

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A Paraíba com seus nativos, ao contrário do que pensa a bitolada mentalidade carioca, é um lugar lindo e de gente hospitaleira. Podemos ficar à vontade para obter qualquer informação sem correr o risco de pararmos fora da cidade. Os turistas são tratados de maneira muito educada, sem nenhuma demonstração de hostilidade. Outra coisa boa é a segurança. Tudo bem que João Pessoa seja um tédio à noite, mas pelo menos não somos assaltados se andamos bêbados solitários pelas suas ruas. Experiência própria.

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A música predominante é o forró pé de serra, com algumas exceções, como o baião. O proibidão, importado do Rio, se arriscava sem força com seu batidão carregado de sotaque nasalado em meio à implacável concorrência dos acordeões. Em João Pessoa, os ouvintes de funk são taxados como marginalizados. Como diria um grande poeta contemporâneo, "Cada um no seu quadrado".

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As praias da Paraíba, mesmo as do centro urbano, não são impregnadas de vendedores ambulantes estourando nossos tímpanos. Outra coisa interessante é a existência, a cada 5 metros, de uma lixeira para que os banhistas deixem sua sujeira. Poderíamos achar isso o máximo não fosse a quantidade abundante de lixo deixado na areia. Provavelmente os paulistas vieram em massa, pensei.

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Voltando um dia de Coqueirinhos, pedi a um homem que fosse buscar meus três amigos que tinham ficado para trás. Para que eles não perdessem o último ônibus, o homem teria que fazer 3 viagens em sua moto. Ele cobrou com um certo receio de ouvir uma resposta negativa 10 reais para executar a tarefa. Quando pegou seu pagamento, segurava estático a nota de 20 reais, fitando com brilho nos olhos a enorme quantia de dinheiro que acabara de receber. O litoral sul do estado é impressionantemente lindo e pobre. Os humildes moradores desse canto esperam no escuro os escassos ônibus da prefeitura para se locomoverem de um lado pra outro, sobre uma estrada de terra cheia de buracos e sob um pôr-do-sol incrível num céu de iminentes constelações.

Essa minha viagem para a Paraíba teve um emocionante desfecho diante de uma natureza fantástica ao lado de pessoas incríveis. No dia seguinte já pegava carona com a galera de Natal até Goianinha-RN. A cidade é vizinha da também pequena Pipa, mas sem sua beleza celestial, o que torna a discrepância de preços exorbitante. Pipa é de fato um paraíso, com belíssimas praias e um luaR fora do normal. Em um dos poucos dias que fiquei por lá conheci seu Antônio, morador há 30 anos do lugarejo. Pipa estava se preparando para festejar o dia da independência com centenas de turistas propensos a torrar seu dinheiro e novos gringos dispostos a abrir novos restaurantes e pousadas. Neste dia a rua principal foi fechada, fazendo com que a van que levava seu Antônio se desviasse de seu trajeto, obrigando o velho homem a andar um grande pedaço de terra aturando as mil perguntas de um maluco descabelado e descalço. As respostas de seu Antônio eram invariavelmente monossilábicas. Ele, como era de se esperar, ficou espantado com o crescimento do lugar. No entanto, acompanhou tal modernização, deixando de ser pescador para se tornar pedreiro. Deixei de importunar o velho e este seguiu seu caminho.

Na manhã seguinte, com grande dificuldade, tive que me despedir de Pipa. Da cidade que me encantou com o simultâneo pôr-do-sol e nascer da lua, infelizmente não pude apreciar o nascer do grande astro. Fica para a volta.

Peguei uma carona para João Pessoa e um ônibus de lá para Recife. No embarque, a triste realidade social brasileira me acordou de volta à vida. Sem um motivo lógico, aparente, neste caso, um dos meus amigos teve que ser revistado. Tentei acreditar que isto não aconteceu por ser ele o único negro do grupo, mas infelizmente não se ouviu o soar do detector de metais. Bruno, cara de grande intelecto e rico espírito, respondeu a esta atitude com um simples sorriso e um canto de "Sou negão, e daí?".

Prossegui viagem ao lado de um paraibano carismático de muita esperança. O jovem de 20 e poucos anos se despedia com fervorosa alegria da pobreza do interior nordestino. Seus olhos brilhavam quando me contava sobre sua irmã que já morava no rio há 2 anos e que lhe arrumara um emprego na cidade maravilhosa. Não sabia ainda em que trabalharia, mas o fato de passear pelo calçadão de Copacabana e conhecer o Cristo Redentor, tão falado na sua cidade, o enchia de felicidade e de confiança no futuro.

As diferenças sócio-econômicas entre as regiões do Brasil são gritantes. Assim como João Taveira, muitos retirantes nordestinos tentam a sorte em cidades como a nossa. Abandonam a tediosa labuta do sertão para se aventurar na difícil realidade suburbana dos grandes centros. Em meio a um mundo de pessoas famintas por emprego e maior renda, apenas uma pequena minoria consegue alcançar com relativo sucesso esse empreendimento. Espero que João esteja inserido neste grupo. Melhor ainda, espero que num futuro próximo nenhum menino com tamanho brilho nos olhos tenha que cruzar o país buscando oportunidades que já deveriam estar a seu alcance, nas mesmas medidas.

Um comentário:

  1. Sensacional, Alan! Imagino só o qto vc deve ter perturbado os coitados dos pescadores e vendedores de macaxeira em busca saciar sua curiosidade sobre o lugar..kkkk Bom ver q gostou msm de lá! O convite de desbravar o nordeste no próximo verão inda tah firme, neh?
    kkkk
    Abç

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